As escolhas de Cavaco Silva
Por) Santana Castilho
Há pessoas com propensão para escolhas infelizes. Cavaco
Silva, quando líder do PSD, escolheu Dias Loureiro para secretário-geral do
partido e apadrinhou Duarte Lima no percurso que o levou a líder do respectivo
grupo parlamentar. Já presidente da República, Cavaco Silva convidou João
Rendeiro para dirigir a EPIS – Empresários pela Inclusão Social. Dias Loureiro
não é propriamente alheio às trapalhadas que originariam a gigantesca burla do
BPN. Duarte Lima é presidiário de luxo e suspeito de crime de homicídio. A
fraude BPP tem um responsável: João Rendeiro.
A 10 de Julho, quatro
dias antes da comemoração da tomada da Bastilha (quem sou eu para lhe sugerir
que revisite a França de 1789?), Cavaco disse branco e fez negro. Gritou por
estabilidade e afundou todos em mais instabilidade: partidos, Governo em gestão
e país em agonia. Não aceitando nenhuma das soluções que tinha, inventou a pior
que alguém podia imaginar. O raciocínio que desenvolveu é mais uma das
infelizes escolhas em que a sua vida política é pródiga. O compromisso que
pediu significaria que votar no PS, no CDS ou no PSD seria votar num programa
único de Governo. O compromisso que pediu significaria o varrimento liminar do
quadro democrático dos restantes partidos políticos, que desprezou. A escolha
que fez significa que se atribuiu o poder, que não tem, de convocar eleições
antecipadas em 2014, sem ouvir os partidos políticos nem o Conselho de Estado.
Para quem jurou servir a Constituição, é, generosamente, uma escolha infeliz.
A monumental
trapalhada política, em que Gaspar, Portas, Passos e Cavaco mergulharam o país,
tem múltiplas causas remotas e uma próxima. Esta chama-se reforma do Estado e
apresentaram-na ultimamente sob forma de número mágico: 4700 milhões de euros.
Mas tem história. Como elefante em loja de porcelana, Passos Coelho começou por
a associar à sua indefectível revisão constitucional e nomear revisor: Paulo
Teixeira Pinto, artífice emérito da desgraça do BCP, apoiante da monarquia,
conselheiro privado de D. Duarte Pio de Bragança e presidente da Causa Real.
Escolha adequada, via-se, para cuidar da Constituição da República. Quando
explicaram a Passos Coelho que a revisão da Constituição não podia ser
decretada pelo putativo presidente da Assembleia da República, que o génio de
Relvas arrebatou à Assistência Médica Internacional e ele, Passos, já havia
elegido em nome dos deputados que ainda não tinham sido eleitos, a reforma do
Estado mudou de rumo: o objectivo passou a ser “enxugar” o monstro por via da
exterminação de organismos. O desastre ficou para os anais do insucesso,
sociedades de advogados e consultores contentes, parcerias público-privadas
presentes, rendas da energia crescentes e empresas parasitárias resistentes.
Como camaleão que muda de ramo pachorrentamente, a reforma do Estado foi-se
metamorfoseando: Passos chamou-lhe “refundação do memorando com a troika”, a
seguir “refundação do Estado”, depois, para chegar ao simples corte acéfalo,
cego, bruto, da despesa pública, com que se estatelou no muro da realidade.
Relvas ridicularizado. Gaspar em frangalhos. Portas de reputação mínima irrevogável.
Povo exausto. Portugal pior. O que uniu desde sempre estes Irmãos Metralha da
reforma do Estado foi a sua insubordinação militante relativamente à
legalidade, à confiança dos cidadãos no Estado, à prevalência do interesse
público sobre o privado. Foi o seu preconceito ideológico contra o Estado
social, servido pelo vazio total de ideias sobre o funcionamento seja do que
for, da Educação à Saúde, da Justiça à Segurança Social, da Economia à Cultura.
Afogado em tanta
lama, quando as circunstâncias parecem pesar mais que a ética e o carácter, o
país está suspenso e alheio à educação dos seus fi lhos. Os resultados dos
exames nacionais do 12.º ano são preocupantes. São baixíssimas as médias
nacionais em muitas disciplinas. Seria motivo para alarme nacional. Mas não
foi. No site da Direcção-Geral da Administração Escolar, relatórios médicos
sensíveis e confidenciais, relativos às doenças incapacitantes de que sofrem
cerca de três centenas de professores ou familiares deles dependentes,
estiveram expostos à devassa pública. Não tentem rotular de acidente aquilo que
a tecnologia actual, definitivamente, pode impedir. Trata-se de incompetência
inqualificável, que devia ser punida. Mas não foi. O mesmo Ministério da
Educação, que exigiu a crianças de nove anos um termo de responsabilidade,
escrito, garantindo que não eram portadores de telemóveis, antes de se sentarem
a fazer o exame nacional do 4.º ano, permitiu que alunos do 6.º e 9.º,
chumbados em cumprimento das regras vigentes, por o terem usado durante a prova
de Português, a repetissem na 2.ª fase. Quem assim decide, começa cedo a
industriar os pequenos no caminho da corrupção. Devia ser punido. Mas não foi.
Professor do ensino superior.