Lima perdeu a liberdade. Está em preventiva no âmbito do caso BPN
*Duarte Lima: Como fazia a lavagem de dinheiro*
O ex-deputado foi investigado em 1994 num processo que é um verdadeiro
manual de branqueamento de dinheiro sujo
A prática de lavagem de dinheiro há muito que não é estranha a Duarte Lima.
Desde os anos 90 que o ex-líder parlamentar do PSD conhece, ao pormenor, as
técnicas daquilo a que os juristas chamam "dissimulação de capitais", mas
que é vulgarmente conhecido por branqueamento ou lavagem de dinheiro. Essa
é a arte de fazer com que o dinheiro obtido de forma ilegal regresse aos
circuitos financeiros e bancários com o estatuto de plena legalidade.
O processo às ordens do qual Duarte Lima está agora preso mostra algumas
dessas formas de lavagem, mas já na primeira investigação de que foi alvo,
nos anos noventa, é provado um apurado conhecimento dessa arte de esconder
o dinheiro sujo. Nesse primeiro processo em que Lima foi constituído
arguido, corria o ano de 1994 e o cavaquismo já agonizava, é descrito ao
pormenor aquilo que hoje se pode considerar um pioneiro manual de técnicas
de lavagem de dinheiro, como então alertava o inspector da PJ Carlos
Pascoal, que assina o relatório final da investigação.
O caso estava centrado em suspeitas de corrupção relacionadas com as
aquisições de apartamentos e de terrenos em Lisboa e Sintra (ver texto
nestas páginas). O mais interessante, porém, foi o que a investigação
mostrou em matéria de enriquecimento ilícito assente no tráfico de
influências e correspondente branqueamento de dinheiro, tudo crimes não
existentes no ordenamento jurídico português à época dos factos. Carlos
Pascoal, hoje com 57 anos e reformado da PJ, que investigou este processo
com o colega José Peneda e sob a direcção do magistrado do Ministério
Público Luís Bonina, enumerou as técnicas de lavagem uma a uma.
DEPÓSITOS EM DINHEIRO
O relatório de Pascoal é claro em matéria de fluxos financeiros: "Em razão
da análise bancária realizada pode concluir-se que foi detectada a
aplicação de várias técnicas de dissimulação de capitais, envolvendo um
conjunto de contas bancárias tituladas pelo arguido Duarte Lima, pela sua
ex-esposa, ou por familiares de um ou de outro".
Essas técnicas consistiam em fazer entrar o dinheiro nas contas sob a forma
de numerário, permitindo ocultar as proveniências e os motivos das
realizações de pagamentos. "Entre 1992 e 1994 foram creditadas dessa forma,
no conjunto das contas investigadas, verbas superiores a 750 mil contos"
(3,75 milhões de euros).
*CONTAS-FANTASMA*
As contas directa ou indirectamente controladas por Duarte Lima nunca
tinham saldos elevados. A técnica usada passava por fazer circular os
valores de conta para conta até à utilização final do dinheiro em despesas
ou aquisições. A maior parte dos créditos - numerário ou cheques - foi
escoada por contas tituladas pelo próprio Duarte Lima.
Os investigadores dão um exemplo: uma conta do Banco Fonsecas & Burnay
titulada por Fernando Henrique Nunes (ex-sogro de Lima) foi utilizada como
'placa de passagem' de valores que acabaram em contas de Duarte Lima. Só no
conjunto de contas em nome do ex-sogro e da ex-mulher, Alexina Bastos
Nunes, foram transferidos para contas de Lima 474 mil contos.
A partir de Novembro de 1993, o mesmo procedimento manteve-se mas com mais
titulares nas contas, designadamente duas sobrinhas do ex-deputado, Alda e
Sandra Lima de Deus e alguns dos irmãos.
*MOTA E ANF*
Duarte Lima, apesar de estar em exclusividade de funções no Parlamento e de
ter a inscrição suspensa na Ordem dos Advogados, mantinha uma intensa e
profícua relação com muitas empresas.
Na investigação são detectados dezenas de depósitos feitos pelos
administradores da então Mota e Companhia para as contas controladas por
Duarte Lima. A um ritmo mensal, Manuel António da Mota, fundador da empresa
já falecido, e o seu filho, António Mota, actual patrão da Mota-Engil,
pagaram perto de 150 mil contos a Duarte Lima entre 1991 e 1993.
Lima só em 1993 começou a emitir recibos verdes sobre uma pequena parte do
dinheiro recebido, justificando no processo apenas dois pagamentos a título
de prestações de serviços. Nessa fase em que começou a passar recibos
verdes também começou a receber dinheiro por antecipação a serviços a
prestar no futuro.
Nas declarações efectuadas aos investigadores, tanto António Mota como
Manuela Mota, também administradora da empresa, justificaram os pagamentos
de 1991, 1992 e parte de 1993 a título de aquisições de obras de arte
feitas a Lima e ao ex-sogro. Disseram também que Lima era consultor para a
área internacional, apontando concretamente Angola como um dos países em
que Lima ajudava a construtora. O ex-deputado, porém, tinha a inscrição
suspensa na Ordem dos Advogados e nunca declarou ao Fisco estes rendimentos.
Tanto em relação à Mota e Companhia, como à Associação Nacional de
Farmácias (ANF) - que pagou também milhares de contos a Lima e ainda as
obras feitas num dos seus apartamentos de Lisboa -, o ex-líder parlamentar
do PSD funcionou como um avençado no Parlamento.
De outras empresas, como a Altair Lda. e a Portline S.A., Duarte Lima
recebeu dinheiro a título de "despesas confidenciais" e "saídas de caixa".
*VÍCIO DAS ANTIGUIDADES*
Um dado essencial da ocultação de dinheiro detectada nesta investigação foi
o da aquisição de antiguidades e obras de arte. "Tudo aponta no sentido de
ser um coleccionador, visto que raramente procederá a vendas", escreve o
inspector Carlos Pascoal. São registadas nas perícias financeiras algumas
transacções. Só a três comerciantes de arte Lima comprou 250 mil contos em
antiguidades e peças num curto espaço de tempo.
Também aqui a lei era favorável a Duarte Lima: "As dificuldades de controlo
das actividades de transacções deste tipo de objectos e consequente
possível utilização como técnica de dissimulação de capitais são
reconhecidas no preâmbulo do decreto-lei 325-95 (branqueamento de
capitais), designadamente mencionando a não sujeição de tais actividades a
regras específicas e a inexistência de uma autoridade de supervisão",
alertam os investigadores. A criminalização do branqueamento e do tráfico
de influências só ocorrem depois de Outubro de 1995, quando o Governo já é
do PS e liderado por António Guterres. A bancada do PSD chefiada por Duarte
Lima várias vezes recusou criminalizar este tipo de crimes.
*PARAÍSOS FISCAIS*
A abertura de contas na Suíça e a utilização de paraísos fiscais para
branquear dinheiro são hoje expedientes vulgares. À época, porém, o seu
conhecimento em casos concretos era raro. Com um segredo bancário
inexpugnável, a Suíça era um paraíso para ocultar capitais. Duarte Lima
tinha contas no Swiss Bank Corporation, em Basileia, e daí transferiu
dinheiro para a Cosmatic Properties, Ltd., uma empresa offshore que
utilizou para várias aquisições.
As autoridades suíças, porém, nunca forneceram os elementos bancários
pretendidos pela investigação portuguesa porque Duarte Lima e a ex-mulher
se opuseram a que tal acontecesse, impedindo judicialmente que a carta
rogatória expedida pelas autoridades portuguesas fosse cumprida.
*TESTAS-DE-FERRO*
Os ganhos na bolsa foram a grande justificação de Duarte Lima para uma
parte do património. Declarou ter ganho 60 mil contos, mas foram detectados
investimentos feitos em seu nome mas formalmente pertencentes a outras
pessoas. Em dois dos casos detectados tratava-se de empresas de construção
civil: a Severo de Carvalho, a que Lima tinha grande ligação, e a Sociedade
de Construções Translande.
Foram descobertas contas co-tituladas por Lima e algumas dessas pessoas ou
empresas, mas tinham um movimento quase nulo. Pelo contrário, os
investimentos mais significativos na bolsa corriam exclusivamente por
contas do ex-deputado.
*UM ESTRANHO MILHÃO*
A diferença entre os valores declarados ao Fisco e o movimentado nas contas
é esmagadora e mostra um enriquecimento que Duarte Lima nunca conseguiu
explicar. Os rendimentos declarados em sede de IRS, que não incluíram os
movimentos de bolsa por não se encontrarem sujeitos a tributação,
totalizaram 182 mil contos, entre 1987 e 1995. Mas o dinheiro movimentado
nas contas tituladas por Lima apenas entre 1986 e 1994 é superior a um
milhão de contos.
Não há como registar as palavras dos próprios investigadores: "O total de
depósitos realizados nas contas tituladas pelo arguido Duarte Lima, entre
1986 e 1994, ultrapassou um milhão de contos, atingindo nos anos de 1992 a
1994 os 640 mil contos". Tudo claro, numa investigação que não teve escutas
telefónicas nem buscas a casa do arguido.
DE POBRE A BARÃO CAVAQUSITA (ASCENSÃO E QUEDA DE UM MENINO DE CORO
DESLUMBRADO COM O PODER)
É o primeiro registo oficial do deputado Domingos Duarte Lima na Assembleia
da República: III [1983-05-31 a 1985-11-03] - Círculo Eleitoral: Bragança -
Grupo Parlamentar: PSD. Em Maio de 1983, quando se estreia no seu lugar no
hemiciclo de S. Bento, Duarte Lima ainda não tinha completado os 28 anos.
Haveria de os celebrar seis meses mais tarde, em Novembro. Mas a sua vida
política não começa no Parlamento: dois anos antes, em 1981, inicia
actividade na capital como assessor político e de imprensa do ministro da
Administração Interna, Ângelo Correia.
Nunca mais haveria de parar no seu caminho para o poder e para a fortuna,
este rapaz nascido na Régua, em 1955, mas que viveu em Miranda do Douro até
1974. Foi primeiro deputado à Assembleia da República por Bragança de 1983
a 1995 - durante a III, IV, V e VI legislaturas. Depois promovido nas
estruturas do partido fundado por Francisco Sá Carneiro, entrou nas listas
por Lisboa, de 1999 a 2002, na VIII Legislatura. Voltaria novamente a
concorrer por Bragança, de 2005 a 2009, na X Legislatura.
A carreira meteórica de deputado coincidiu com uma ascensão política
fulminante. Foi o todo-poderoso vice--presidente da Comissão Política
Nacional do PSD entre 1989 e 1991, presidindo ao respectivo grupo
parlamentar, de 1991 a 1994, durante a segunda maioria absoluta de Cavaco
Silva. Com acesso a todos os gabinetes de ministros e secretários de
Estado, é um nome mágico para empresários e particulares sequiosos de
influência e proveitos. Vêm então os escândalos e cai em desgraça. Primeiro
um construtor civil de Mogadouro envia-lhe um fax para o Parlamento a pedir
um "jeito" num concurso de obras. Depois, o semanário 'O Independente'
conta a história da casa de Nafarros.
Sucede-lhe José Pacheco Pereira, que tinha sido seu 'vice', e Lima inicia
uma travessia do deserto. Perito em súbitas reviravoltas, porém, já em 1998
e com os socialistas no poder, vence Pedro Passos Coelho e Pacheco Pereira
nas eleições para a Comissão Política Distrital de Lisboa do PSD, que
dirigiu até 2000, deixando o lugar para aquela que seria a futura líder
social-democrata, Manuela Ferreira Leite. Lima terá gasto milhares de
contos em regularização de quotas e inscrição de novos militantes, grande
parte deles recrutados em bairros sociais.
*POBRE E PROVINCIANO*
Licenciado em Direito pela Universidade Católica, mas advogado mais de
título do que de exercício, Duarte Lima ocupou muitos outros cargos, sempre
numa vida faustosa, que foi justificando como podia, ou conseguia. Na lista
oficial que apresentou ao Parlamento consta a sua condição de "membro da
delegação portuguesa à Assembleia da NATO", mas também a ocupação de
"docente universitário". Refere-se ainda ter sido condecorado com a Ordem
do Mérito, atribuída pelo presidente da República de Itália.
Segundo reza a história da sua origem humilde, quinto filho numa família de
nove irmãos e órfão de pai aos 11 anos, ajudava a mãe, Maria de Jesus, a
vender peixe em Miranda do Douro. O pai, Adérito Lima, fora funcionário da
companhia eléctrica nacional até morrer de cancro.
Quando entrou para a Universidade Católica, com uma bolsa que o livrou de
pagar propinas, era olhado de lado e com indisfarçável estranheza pelos
colegas. Pobre e provinciano, não se vestia como os outros. A mais tarde
famosa jornalista Margarida Marante terá sido a única que lhe prestou
alguma atenção. Tornou-se sua amiga. Duarte Lima oferecia-lhe alheiras
feitas pela mãe. Margarida apresentava-lhe amigos, sobretudo na área do
PSD. Músico predestinado desde a infância, em 1980 era maestro do coro da
Católica. Pedro Santana Lopes e Pacheco Pereira assistiram a alguns dos
seus concertos de órgão.
Licenciou-se tarde, com 31 anos e 14 valores, como tarde tinha entrado na
universidade, depois de frequentar o Liceu D. Pedro V, onde terminou o
secundário com 19 valores. O estágio de advocacia foi feito no escritório
do socialista José Lamego, que seria mais tarde secretário de Estado dos
Negócios Estrangeiros de António Guterres e então era casado com Assunção
Esteves, presidente da Assembleia da República.
Em finais de 1998, depois de muitos dos escândalos conhecidos nos jornais,
foi atingido por uma leucemia em estado avançado, recebendo um transplante
de medula, amplamente noticiado. Já curado, funda a Associação Portuguesa
Contra a Leucemia, que iria criar o banco nacional de dadores de medula.
Muitos médicos e dirigentes da associação sublinham a importância da
exposição pública que Duarte Lima deu à doença e o papel que desempenhou.
*O CONVIDADO SÓCRATES*
Casou a 18 de Novembro de 1982 com Alexina Bastos Nunes, em Fátima, numa
cerimónia religiosa realizada pelo bispo de Bragança, D. António José
Rafael. Desta união iria resultar o único filho de Domingos Duarte Lima,
Pedro Miguel. Numa relação que viria a constar dos processos de
investigação da PJ, divorciou-se de Alexina em 1995, casando mais tarde, em
2000, com Paula Gonçalves. Desde que Duarte Lima se terá envolvido com a
brasileira Marlete Oliveira, a sua provisória secretária que entretanto já
regressou ao Brasil , o casal só partilhava o mesmo apartamento.
Com 56 anos, Duarte Lima - Domingos, para os amigos - é um homem rico e
poderoso. Na luxuosa casa da av. Visconde Valmor, no centro de Lisboa,
ofereceu jantares feitos pelo célebre chef Luís Suspiro. Constam das
memórias dos convidados as antiguidades dispostas nos salões e as
explicações excêntricas dos pratos que Suspiro vinha à sala apresentar.
José Sócrates foi um dos comensais mais famosos.
*O FILHO DE SEU PAI TORNOU-SE NUM TESTA-DE-FERRO*
Quando Domingos Duarte Lima anunciou que estava gravemente doente, com uma
leucemia, apareceram as primeiras imagens do filho, Pedro Lima, então com
apenas 13 anos, uma criança. Quando o ex-líder parlamentar do PSD foi
detido, o filho foi com ele, agora já com 26 anos, também arguido no mesmo
processo.
Pedro Lima é suspeito de branqueamento de capitais, burla qualificada e
fraude fiscal agravada, mas tudo indica estar de novo a dar a cara pelo
pai. Lima, o filho, foi libertado e diz-se que não tem dinheiro para pagar
a caução de 500 mil euros, ainda que seja sócio e administrador de cinco
empresas.
Há quem acrescente que Lima, o pai, fez dele testa-de-ferro dos seus
negócios. No dia do aniversário de Duarte Lima, Pedro lá estava como visita.
*"O SEU ENRIQUECIMENTO MOSTRA A DEGRADAÇÃO DO REGIME" (Paulo Morais,
professor universitário e dirigente da organização
*Duarte Lima: Como fazia a lavagem de dinheiro*
O ex-deputado foi investigado em 1994 num processo que é um verdadeiro
manual de branqueamento de dinheiro sujo
A prática de lavagem de dinheiro há muito que não é estranha a Duarte Lima.
Desde os anos 90 que o ex-líder parlamentar do PSD conhece, ao pormenor, as
técnicas daquilo a que os juristas chamam "dissimulação de capitais", mas
que é vulgarmente conhecido por branqueamento ou lavagem de dinheiro. Essa
é a arte de fazer com que o dinheiro obtido de forma ilegal regresse aos
circuitos financeiros e bancários com o estatuto de plena legalidade.
O processo às ordens do qual Duarte Lima está agora preso mostra algumas
dessas formas de lavagem, mas já na primeira investigação de que foi alvo,
nos anos noventa, é provado um apurado conhecimento dessa arte de esconder
o dinheiro sujo. Nesse primeiro processo em que Lima foi constituído
arguido, corria o ano de 1994 e o cavaquismo já agonizava, é descrito ao
pormenor aquilo que hoje se pode considerar um pioneiro manual de técnicas
de lavagem de dinheiro, como então alertava o inspector da PJ Carlos
Pascoal, que assina o relatório final da investigação.
O caso estava centrado em suspeitas de corrupção relacionadas com as
aquisições de apartamentos e de terrenos em Lisboa e Sintra (ver texto
nestas páginas). O mais interessante, porém, foi o que a investigação
mostrou em matéria de enriquecimento ilícito assente no tráfico de
influências e correspondente branqueamento de dinheiro, tudo crimes não
existentes no ordenamento jurídico português à época dos factos. Carlos
Pascoal, hoje com 57 anos e reformado da PJ, que investigou este processo
com o colega José Peneda e sob a direcção do magistrado do Ministério
Público Luís Bonina, enumerou as técnicas de lavagem uma a uma.
DEPÓSITOS EM DINHEIRO
O relatório de Pascoal é claro em matéria de fluxos financeiros: "Em razão
da análise bancária realizada pode concluir-se que foi detectada a
aplicação de várias técnicas de dissimulação de capitais, envolvendo um
conjunto de contas bancárias tituladas pelo arguido Duarte Lima, pela sua
ex-esposa, ou por familiares de um ou de outro".
Essas técnicas consistiam em fazer entrar o dinheiro nas contas sob a forma
de numerário, permitindo ocultar as proveniências e os motivos das
realizações de pagamentos. "Entre 1992 e 1994 foram creditadas dessa forma,
no conjunto das contas investigadas, verbas superiores a 750 mil contos"
(3,75 milhões de euros).
*CONTAS-FANTASMA*
As contas directa ou indirectamente controladas por Duarte Lima nunca
tinham saldos elevados. A técnica usada passava por fazer circular os
valores de conta para conta até à utilização final do dinheiro em despesas
ou aquisições. A maior parte dos créditos - numerário ou cheques - foi
escoada por contas tituladas pelo próprio Duarte Lima.
Os investigadores dão um exemplo: uma conta do Banco Fonsecas & Burnay
titulada por Fernando Henrique Nunes (ex-sogro de Lima) foi utilizada como
'placa de passagem' de valores que acabaram em contas de Duarte Lima. Só no
conjunto de contas em nome do ex-sogro e da ex-mulher, Alexina Bastos
Nunes, foram transferidos para contas de Lima 474 mil contos.
A partir de Novembro de 1993, o mesmo procedimento manteve-se mas com mais
titulares nas contas, designadamente duas sobrinhas do ex-deputado, Alda e
Sandra Lima de Deus e alguns dos irmãos.
*MOTA E ANF*
Duarte Lima, apesar de estar em exclusividade de funções no Parlamento e de
ter a inscrição suspensa na Ordem dos Advogados, mantinha uma intensa e
profícua relação com muitas empresas.
Na investigação são detectados dezenas de depósitos feitos pelos
administradores da então Mota e Companhia para as contas controladas por
Duarte Lima. A um ritmo mensal, Manuel António da Mota, fundador da empresa
já falecido, e o seu filho, António Mota, actual patrão da Mota-Engil,
pagaram perto de 150 mil contos a Duarte Lima entre 1991 e 1993.
Lima só em 1993 começou a emitir recibos verdes sobre uma pequena parte do
dinheiro recebido, justificando no processo apenas dois pagamentos a título
de prestações de serviços. Nessa fase em que começou a passar recibos
verdes também começou a receber dinheiro por antecipação a serviços a
prestar no futuro.
Nas declarações efectuadas aos investigadores, tanto António Mota como
Manuela Mota, também administradora da empresa, justificaram os pagamentos
de 1991, 1992 e parte de 1993 a título de aquisições de obras de arte
feitas a Lima e ao ex-sogro. Disseram também que Lima era consultor para a
área internacional, apontando concretamente Angola como um dos países em
que Lima ajudava a construtora. O ex-deputado, porém, tinha a inscrição
suspensa na Ordem dos Advogados e nunca declarou ao Fisco estes rendimentos.
Tanto em relação à Mota e Companhia, como à Associação Nacional de
Farmácias (ANF) - que pagou também milhares de contos a Lima e ainda as
obras feitas num dos seus apartamentos de Lisboa -, o ex-líder parlamentar
do PSD funcionou como um avençado no Parlamento.
De outras empresas, como a Altair Lda. e a Portline S.A., Duarte Lima
recebeu dinheiro a título de "despesas confidenciais" e "saídas de caixa".
*VÍCIO DAS ANTIGUIDADES*
Um dado essencial da ocultação de dinheiro detectada nesta investigação foi
o da aquisição de antiguidades e obras de arte. "Tudo aponta no sentido de
ser um coleccionador, visto que raramente procederá a vendas", escreve o
inspector Carlos Pascoal. São registadas nas perícias financeiras algumas
transacções. Só a três comerciantes de arte Lima comprou 250 mil contos em
antiguidades e peças num curto espaço de tempo.
Também aqui a lei era favorável a Duarte Lima: "As dificuldades de controlo
das actividades de transacções deste tipo de objectos e consequente
possível utilização como técnica de dissimulação de capitais são
reconhecidas no preâmbulo do decreto-lei 325-95 (branqueamento de
capitais), designadamente mencionando a não sujeição de tais actividades a
regras específicas e a inexistência de uma autoridade de supervisão",
alertam os investigadores. A criminalização do branqueamento e do tráfico
de influências só ocorrem depois de Outubro de 1995, quando o Governo já é
do PS e liderado por António Guterres. A bancada do PSD chefiada por Duarte
Lima várias vezes recusou criminalizar este tipo de crimes.
*PARAÍSOS FISCAIS*
A abertura de contas na Suíça e a utilização de paraísos fiscais para
branquear dinheiro são hoje expedientes vulgares. À época, porém, o seu
conhecimento em casos concretos era raro. Com um segredo bancário
inexpugnável, a Suíça era um paraíso para ocultar capitais. Duarte Lima
tinha contas no Swiss Bank Corporation, em Basileia, e daí transferiu
dinheiro para a Cosmatic Properties, Ltd., uma empresa offshore que
utilizou para várias aquisições.
As autoridades suíças, porém, nunca forneceram os elementos bancários
pretendidos pela investigação portuguesa porque Duarte Lima e a ex-mulher
se opuseram a que tal acontecesse, impedindo judicialmente que a carta
rogatória expedida pelas autoridades portuguesas fosse cumprida.
*TESTAS-DE-FERRO*
Os ganhos na bolsa foram a grande justificação de Duarte Lima para uma
parte do património. Declarou ter ganho 60 mil contos, mas foram detectados
investimentos feitos em seu nome mas formalmente pertencentes a outras
pessoas. Em dois dos casos detectados tratava-se de empresas de construção
civil: a Severo de Carvalho, a que Lima tinha grande ligação, e a Sociedade
de Construções Translande.
Foram descobertas contas co-tituladas por Lima e algumas dessas pessoas ou
empresas, mas tinham um movimento quase nulo. Pelo contrário, os
investimentos mais significativos na bolsa corriam exclusivamente por
contas do ex-deputado.
*UM ESTRANHO MILHÃO*
A diferença entre os valores declarados ao Fisco e o movimentado nas contas
é esmagadora e mostra um enriquecimento que Duarte Lima nunca conseguiu
explicar. Os rendimentos declarados em sede de IRS, que não incluíram os
movimentos de bolsa por não se encontrarem sujeitos a tributação,
totalizaram 182 mil contos, entre 1987 e 1995. Mas o dinheiro movimentado
nas contas tituladas por Lima apenas entre 1986 e 1994 é superior a um
milhão de contos.
Não há como registar as palavras dos próprios investigadores: "O total de
depósitos realizados nas contas tituladas pelo arguido Duarte Lima, entre
1986 e 1994, ultrapassou um milhão de contos, atingindo nos anos de 1992 a
1994 os 640 mil contos". Tudo claro, numa investigação que não teve escutas
telefónicas nem buscas a casa do arguido.
DE POBRE A BARÃO CAVAQUSITA (ASCENSÃO E QUEDA DE UM MENINO DE CORO
DESLUMBRADO COM O PODER)
É o primeiro registo oficial do deputado Domingos Duarte Lima na Assembleia
da República: III [1983-05-31 a 1985-11-03] - Círculo Eleitoral: Bragança -
Grupo Parlamentar: PSD. Em Maio de 1983, quando se estreia no seu lugar no
hemiciclo de S. Bento, Duarte Lima ainda não tinha completado os 28 anos.
Haveria de os celebrar seis meses mais tarde, em Novembro. Mas a sua vida
política não começa no Parlamento: dois anos antes, em 1981, inicia
actividade na capital como assessor político e de imprensa do ministro da
Administração Interna, Ângelo Correia.
Nunca mais haveria de parar no seu caminho para o poder e para a fortuna,
este rapaz nascido na Régua, em 1955, mas que viveu em Miranda do Douro até
1974. Foi primeiro deputado à Assembleia da República por Bragança de 1983
a 1995 - durante a III, IV, V e VI legislaturas. Depois promovido nas
estruturas do partido fundado por Francisco Sá Carneiro, entrou nas listas
por Lisboa, de 1999 a 2002, na VIII Legislatura. Voltaria novamente a
concorrer por Bragança, de 2005 a 2009, na X Legislatura.
A carreira meteórica de deputado coincidiu com uma ascensão política
fulminante. Foi o todo-poderoso vice--presidente da Comissão Política
Nacional do PSD entre 1989 e 1991, presidindo ao respectivo grupo
parlamentar, de 1991 a 1994, durante a segunda maioria absoluta de Cavaco
Silva. Com acesso a todos os gabinetes de ministros e secretários de
Estado, é um nome mágico para empresários e particulares sequiosos de
influência e proveitos. Vêm então os escândalos e cai em desgraça. Primeiro
um construtor civil de Mogadouro envia-lhe um fax para o Parlamento a pedir
um "jeito" num concurso de obras. Depois, o semanário 'O Independente'
conta a história da casa de Nafarros.
Sucede-lhe José Pacheco Pereira, que tinha sido seu 'vice', e Lima inicia
uma travessia do deserto. Perito em súbitas reviravoltas, porém, já em 1998
e com os socialistas no poder, vence Pedro Passos Coelho e Pacheco Pereira
nas eleições para a Comissão Política Distrital de Lisboa do PSD, que
dirigiu até 2000, deixando o lugar para aquela que seria a futura líder
social-democrata, Manuela Ferreira Leite. Lima terá gasto milhares de
contos em regularização de quotas e inscrição de novos militantes, grande
parte deles recrutados em bairros sociais.
*POBRE E PROVINCIANO*
Licenciado em Direito pela Universidade Católica, mas advogado mais de
título do que de exercício, Duarte Lima ocupou muitos outros cargos, sempre
numa vida faustosa, que foi justificando como podia, ou conseguia. Na lista
oficial que apresentou ao Parlamento consta a sua condição de "membro da
delegação portuguesa à Assembleia da NATO", mas também a ocupação de
"docente universitário". Refere-se ainda ter sido condecorado com a Ordem
do Mérito, atribuída pelo presidente da República de Itália.
Segundo reza a história da sua origem humilde, quinto filho numa família de
nove irmãos e órfão de pai aos 11 anos, ajudava a mãe, Maria de Jesus, a
vender peixe em Miranda do Douro. O pai, Adérito Lima, fora funcionário da
companhia eléctrica nacional até morrer de cancro.
Quando entrou para a Universidade Católica, com uma bolsa que o livrou de
pagar propinas, era olhado de lado e com indisfarçável estranheza pelos
colegas. Pobre e provinciano, não se vestia como os outros. A mais tarde
famosa jornalista Margarida Marante terá sido a única que lhe prestou
alguma atenção. Tornou-se sua amiga. Duarte Lima oferecia-lhe alheiras
feitas pela mãe. Margarida apresentava-lhe amigos, sobretudo na área do
PSD. Músico predestinado desde a infância, em 1980 era maestro do coro da
Católica. Pedro Santana Lopes e Pacheco Pereira assistiram a alguns dos
seus concertos de órgão.
Licenciou-se tarde, com 31 anos e 14 valores, como tarde tinha entrado na
universidade, depois de frequentar o Liceu D. Pedro V, onde terminou o
secundário com 19 valores. O estágio de advocacia foi feito no escritório
do socialista José Lamego, que seria mais tarde secretário de Estado dos
Negócios Estrangeiros de António Guterres e então era casado com Assunção
Esteves, presidente da Assembleia da República.
Em finais de 1998, depois de muitos dos escândalos conhecidos nos jornais,
foi atingido por uma leucemia em estado avançado, recebendo um transplante
de medula, amplamente noticiado. Já curado, funda a Associação Portuguesa
Contra a Leucemia, que iria criar o banco nacional de dadores de medula.
Muitos médicos e dirigentes da associação sublinham a importância da
exposição pública que Duarte Lima deu à doença e o papel que desempenhou.
*O CONVIDADO SÓCRATES*
Casou a 18 de Novembro de 1982 com Alexina Bastos Nunes, em Fátima, numa
cerimónia religiosa realizada pelo bispo de Bragança, D. António José
Rafael. Desta união iria resultar o único filho de Domingos Duarte Lima,
Pedro Miguel. Numa relação que viria a constar dos processos de
investigação da PJ, divorciou-se de Alexina em 1995, casando mais tarde, em
2000, com Paula Gonçalves. Desde que Duarte Lima se terá envolvido com a
brasileira Marlete Oliveira, a sua provisória secretária que entretanto já
regressou ao Brasil , o casal só partilhava o mesmo apartamento.
Com 56 anos, Duarte Lima - Domingos, para os amigos - é um homem rico e
poderoso. Na luxuosa casa da av. Visconde Valmor, no centro de Lisboa,
ofereceu jantares feitos pelo célebre chef Luís Suspiro. Constam das
memórias dos convidados as antiguidades dispostas nos salões e as
explicações excêntricas dos pratos que Suspiro vinha à sala apresentar.
José Sócrates foi um dos comensais mais famosos.
*O FILHO DE SEU PAI TORNOU-SE NUM TESTA-DE-FERRO*
Quando Domingos Duarte Lima anunciou que estava gravemente doente, com uma
leucemia, apareceram as primeiras imagens do filho, Pedro Lima, então com
apenas 13 anos, uma criança. Quando o ex-líder parlamentar do PSD foi
detido, o filho foi com ele, agora já com 26 anos, também arguido no mesmo
processo.
Pedro Lima é suspeito de branqueamento de capitais, burla qualificada e
fraude fiscal agravada, mas tudo indica estar de novo a dar a cara pelo
pai. Lima, o filho, foi libertado e diz-se que não tem dinheiro para pagar
a caução de 500 mil euros, ainda que seja sócio e administrador de cinco
empresas.
Há quem acrescente que Lima, o pai, fez dele testa-de-ferro dos seus
negócios. No dia do aniversário de Duarte Lima, Pedro lá estava como visita.
*"O SEU ENRIQUECIMENTO MOSTRA A DEGRADAÇÃO DO REGIME" (Paulo Morais,
professor universitário e dirigente da organização