Esta simples carta reflecte aquilo que respira todos os meus
sentimentos. É a primeira carta que te escrevo! Devia tê-la escrito antes?
Devia sim, Liazinha minha, mas nunca seria esta, nem parecida! Nem sempre fomos
nós a actuar sobre a realidade! A realidade confusa em idades pouco mais que
púbere adiou para mais tarde, e, assim, anexou duas metades de um corpo só!
Esta é a primeira carta de amor que eu escrevo. Penso e espero que seja a
primeira carta de amor que recebes…
Esta carta de amor tardia pretende ser convincente e ampliar
– se possível for, a energia do afecto, das meiguices e do erotismo, guias do
nosso amor! O insubstituível nunca se esquece quando o interesse da memória se
remova com a vinda de um grande amor que nos completa. Completamente
reconciliado, eis aqui o teu amado, querida Amélia! Não sou o teu Kandinsky que
te admirava caladinho, olhando-te de esguelha, no parlatório, com as trajadas
de puras, que se diziam tuas amigas. Não és mais a minha Monja da Rosas da
faculdade, local interdito a um jovem opinioso, e eu, de puras, prezava apenas
as putas e suas candidatas!
Os vícios que nos eram pregados foram arruinados na última
meia dúzia de anos. Enquanto todas as alunas tinham a tua inocência, lisura e
beleza para se expor, tentei que tu – a menina mais bela da turma e da
universidade – me olhasses de frente e que falássemos apenas os dóis, sem a
cambada das tuas colegas a utilizar-se e mamar da tua beldade, com ciúmes da
tua perfeição. Ensaiei várias vezes chegar-me a ti e foste sempre a minha
preferida, cara Amélia. Várias raparigas juntas em volta de apenas uma
cristalina – como tu – são um abismo param um rapaz ou homem!
Ah! Nessas situações, como é bom convivermos apenas com os
rapazes, falar de amor, de beleza e tomar um copo de vinho tinto, Amélia!
Sempre que as mulheres, a beleza ou o amor eram tema de
conversa, lembrava-me sempre em ti e detestava as nossas colegas de aulas;
sabia que havia de chegar a nossa hora. Muito tarde, mas finalmente chegou…
Todos os homens odiavam o teu trabalho… tanta falsidade! Uma
verdade não deve ser revelada, se ninguém a acredita! As mentiras das gajas que
te rodeavam todos os dias se transformavam em verdades. Estávamos destinados a
namorar fora daquelas malditas paredes!
Como sabes, querida Amélia, fui muito maltratado durante os
dois anos que faltavam; os dois anos em que mais trabalhei para exposições e
encomendas, os anos da minha ascendência no mundo artístico! Os nossos colegas
de curso, os tais das melhores avaliações, não inventavam e siguiam ao
milímetro as explicações dadas, por exemplo, no alto do quadro, amarelo ou
azul; do lado esquerdo, muito claro ou mesmo branco; no lado direito, encarnado
ou violeta; em baixo da pintura, verde ao castanho, sem criação própria, beleza
e fantasia que vão mais longe… É necessário amor pela andamento da pintura de
uma tela:
A pintura,
Feita com tanto labor,
Com amor, suor e arte
Da vida do seu autor,
Leva no valor uma parte!
problemas, do que tê-los sem os discutir
e, às vezes, devido a isso mesmo. Como já adivinhavas, vamos falar sobre a
nossa actividad
Sem parte do nosso tempo de vida não há obra feita. Se não queremos fingir, é um bocado de nós, de nós próprios, que desaparece em qualquer tela que pintamos.
Em qualquer faculdade de belas artes se aprende a “ler” um quadro, como nos ensinaram, prezada Amélia. No lugar de criar autores, criadores e artistas de arte; foram ensinados aos “melhores” alunos perspectivas para decifrar uma pintura!
Uma obra de arte, pintura, arquitectura ou escultura tem sempre a marca do autor ou autores. Tal criador compreende a sociedade nos seus lados elementares. Um artista tem sempre a ideia da obra que pretende compor; combater o estado da sociedade; tentar solucionar alguns aspectos, como o analfabetismo crescente e os alfabéticos marginalizados de muitas autoridades. Não deve matutar que este mundo é perfeito! Não pensar apenas em si e fazer da arte profissão, andar de moda em moda, a ganhar bastante dinheiro, enquanto a realidade piora!
Se és Escorpião de signo, como sabes, eu sou Touro: fomos feitos um para o outro; tanto no amor como na arte, minha beleza! Com vontade dos dois, estará um estilo à nossa espera? Pensa nisto, minha querida! Tudo que eu te proponho é sempre para o teu bem, ou melhor, para nosso bem – e é conveniente conversar sobre eventuais e como artistas plásticos em torno desta proposta. O dinamismo
teórico não serve para nada sem acções materiais. Por isso, meu amor,
vamos trabalhar… Esta é a primeira carta
de amor que escrevo! Não é uma vulgar carta de amor; é a carta de amor ao meu
amor presente, pensado no passado, sentido aqui e imaginado para o futuro.
Ah, a Alice! A Alice foi durante este Verão a garota com
pude dar e receber afectos e satisfação! Tens que reparar que a inconstância do
amor do homem é o contrário da mulher; enquanto o homem, heterossexual, é
facilmente excitado por qualquer linda mulher sem deixar de amar a sua
namorada, mulher ou amante, as mulheres
funcionam de forma diferente, como sabes. Naturalmente um homem pode querer
outra mulher ser querer mudar de fêmea e, naturalmente, quando a mulher muda de
macho é sinal que não ama, ou mesmo odeia, o seu companheiro. Uma transa do
homem como uma nova amada fortalece o amor entre o casal; uma mulher, ao galgar
com um intruso, naturalmente, assassina o amor do casal. Uma mulher capaz de
tal acção – ao contrário do homem – troca de marido ou companheiro. Se alguém
te dizer que ando com outra mulher, das duas uma: provavelmente é mentira ou
então é um imprevisto impulso masculino que reforça mais o meu amor por ti!
Ao pensar nas palavras que escrevo sobre ti, lembro-me
da raridade do longo e alvoroçado amor e até da sua quietude; na forma como me
quisestes dantes, da forma como me quereres agora, lembro-me do teu corpo e
desejo-te… Hasta luego, hermosa muchacha...