“18 de Julho de 1985
Fonte: Plaqueta: Prestes - Dívida Externa e a Paz.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo, julho 2006.
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Na cidade de Havana, de 15 a 18 de julho de 1985, reuniu-se
a Conferência Sindical dos Trabalhadores da América Latina e do Caribe sobre a
Dívida Externa.
Esta Conferência contou com a presença de dirigentes de 46
Centrais ou Confederações Sindicais Nacionais, 135 Organismos Sindicais
Profissionais ou Territoriais, 16 Organizações Camponesas, assim como 8
Organizações e Organismos Regionais e Internacionais. Em total, participaram da
Conferência 330 sindicalistas, pertencentes a 197 Organizações e procedentes de
29 países da América Latina e do Caribe.
O critério de que esta Conferência constituiu a reunião mais
ampla, unitária e representativa já realizada pelo movimento sindical
organizado da América Latina e do Caribe, foi unânime.
Da mesma forma os dirigentes sindicais e camponeses
presentes sublinharam o caráter oportuno e necessário desta reunião, que teve
lugar em um momento crucial para a independência política e econômica e para o
futuro dos povos da região.
Os participantes se referiram à extrema gravidade da crise
econômica atual, cujo aguçamento atinge a América Latina e o Caribe e coloca os
países da área numa situação ainda pior que a experimentada durante a época da
chamada Grande Depressão dos anos 30. O Produto Interno Bruto, referente à América
Latina, cresceu apenas 1,7% em 1981, baixou em termos absolutos em 1982 e 1983
aos níveis de –1% e 3% respectivamente e cresceu um débil e insuficiente 2,6%
em 1984. Isto significou que, em termos de Produto Interno Bruto por habitante,
a América Latina e o Caribe baixaram aos níveis que tinham há uns 10 anos
atrás.
Numerosos participantes deram ênfase à trágica situação
econômica e social que sofrem os povos latino-americanos, esmagados pela crise,
principalmente os trabalhadores da cidade e do campo, vítimas do desemprego, da
deterioração dos níveis de vida e do aumento alarmante da pobreza extrema e
fizeram referência às mudanças estruturais internas que a solução definitiva
destes problemas requer.
Sobre isso se destacou que na América Latina e no Caribe
existem uns 56 milhões de desempregados totais e uns 110 milhões de
desempregados, se se considera o sub-emprego. Não menos de 40% da população
latino-americana vive nos limites inferiores da pobreza absoluta e 30% abaixo
desses limites.
A totalidade dos participantes destacou que a dívida externa
é a manifestação mais dramática da actual crise, assim como o factor mais
importante, que não apenas tende a aprofundá-la, mas também impede a
recuperação económica, bloqueia toda a possibilidade de desenvolvimento,
submete os nossos povos e, especialmente os trabalhadores, a insuportáveis
políticas restritivas dos seus níveis de vida, comprometendo a nossa soberania
ao aprofundar a dependência em relação aos bancos credores, ao FMI e aos
governos dos países industrializados que controlam as decisões desse organismo.
Os participantes analisaram os elementos mais importantes do
processo de rápido endividamento latino-americano e as causas que o explicam.
Assinalaram que essas causas se encontram nos princípios de funcionamento da actual
e injusta ordem económica internacional, especialmente ao intercâmbio desigual
que nos obriga a vender cada vez mais barato e comprar cada vez mais caro, o
que somente em 1984 representou perdas em uns 20 milhões de dólares; o proteccionismo
e a prática do "dumping", baseados na egoísta política de subsídios a
produtos que não poderiam concorrer nos mercados e contradizem as hipócritas
adesões retóricas ao livre comércio, que frequentemente fazem os Governos dos
Estados Unidos e da Comunidade Económica Europeia. Os efeitos combinados das
altas taxas de juros e da supervalorização do dólar, que representaram um custo
adicional de 45 milhões de dólares anuais para as economias da região, ao
aumentarem os pagamentos por juros, provocam o crescimento da fuga de capitais
— que atinge no mesmo período a mais de 10 bilhões de dólares — o custo das
amortizações em dólares e agravam a inflação.
Os participantes destacaram também a irresponsabilidade dos
bancos credores que, na competição para colocar os seus capitais em forma de
empréstimos, passaram por cima das normas de segurança bancária e induziram os
países da região, a contraírem dívidas para sustentar os enormes lucros que
ditos bancos obtiveram e continuam obtendo.
Houve também unanimidade quanto à condenação à política e
aos princípios de actuação do FMI, instituição que reflecte os interesses dos
bancos credores e dos governos que o criaram e o controlam. O FMI, com o seu
rígido enfoque monetarista, que apenas atende ao comportamento das variáveis
monetárias e do equilíbrio fiscal, enquanto mostra total indiferença pelas
duras realidades sociais da América Latina e do Caribe — o desemprego e o
empobrecimento dos trabalhadores — está desempenhando um funesto papel.
Demonstrou ser o gendarme que cuida dos benefícios dos bancos e a instituição
que tem a missão de fazer, não apenas a supervisão, mas também a repressão económica
sobre os países latino-americanos.
Os participantes chegaram ao acordo de qualificar como
falsas soluções do problema da dívida, as contínuas renegociações que, a um
alto custo e sob as ignominiosas condições impostas pelo FMI, só servem para
prolongar a agonia e reforçar a dependência e a submissão dos nossos países.
A crise da dívida, é como uma corda apertada no pescoço,
asfixiando os povos e os trabalhadores latino-americanos e caienenses.
Apertá-la mais equivale à morte. A única alternativa é encarar com firmeza,
dignidade, unidade e solidariedade, este desafio que enfrentamos.
A grande maioria dos participantes pronunciou-se pela
anulação da dívida externa. Outros sindicalistas apresentaram variantes de
moratória, suspensão imediata dos pagamentos ou adiamento por um determinado
número de anos, inclusive os juros. Não obstante todos coincidiram na impossibilidade
do seu pagamento.
Esta solução exposta é actualmente condição indispensável
para iniciar a recuperação económica e dos níveis de emprego, de educação, de
saúde e de previdência social na América Latina e no Caribe, inclusive para
aspirar a exercer uma verdadeira soberania sobre o nosso destino político e o
nosso destino económico, a partir da eliminação desse instrumento de
dependência e coerção externas. Os participantes também chamaram a atenção de a
anulação, a moratória, a suspensão imediata dos pagamentos, ou o adiamento, por
um determinado número de anos, da dívida e dos juros, é indispensável para a
sobrevivência dos processos democráticos na região, e expressaram que, se
pretendessem continuar cobrando a qualquer preço esta dívida, haveria explosões
sociais generalizadas em consequência da insuportável situação a que foram
levados os trabalhadores e as massas populares.
Alguns povos da
região, com a sua heróica resistência ante as imposições do FMI, já
demonstraram dramaticamente o esgotamento destes limites.
Houve também ampla
coincidência sobre a necessidade de ligar, indissoluvelmente, a solução
apresentada para o problema da dívida externa, com o estabelecimento da Nova
Ordem Econômica Internacional, cujos princípios foram aprovados pela Assembleia
Geral das Nações Unidas, em 1974. Os participantes afirmaram que, se não forem
eliminados fenómenos de efeitos tão negativos para a América Latina e o Caribe,
como o intercâmbio desigual, a injusta prática do proteccionismo que afecta os
nossos países, a acção descontrolada das empresas multinacionais, as
manipulações monetárias e financeiras, que estabelecem altas taxas de juros e
propiciam a supervalorização do dólar, entre outros, em prazo não muito longo
se esgotaria o alívio resultante em curto prazo e voltaríamos a estar em
similar ou em pior situação que a actual.
Igualmente, grande
maioria apoiou a ideia sobre o imprescindível exercício da mais firme e
solidária unidade latino-americana, para que, junto às acções ante a dívida
externa e a luta pelo estabelecimento de uma Nova Ordem Económica
Internacional, avancemos resolutamente para a integração económica regional e a
utilizemos como um poderoso meio para o desenvolvimento económico, o
fortalecimento da capacidade de negociação e a elevação do nível de vida dos
trabalhadores e de todos os nossos povos.
Relacionado com o
anterior, a Conferência resolveu que os sindicalistas que nela participaram,
dirijam-se às respectivas organizações, a que pertencem, e lhes proponham
mobilizar os trabalhadores e fazer suas estas três bandeiras de luta:
•Pela anulação, pela
moratória, pela suspensão imediata dos pagamentos, ou adiamento indefinido da
dívida externa, inclusive os juros!
•Pelo estabelecimento da Nova Ordem Económica Internacional!
•Pela unidade latino-americana e caribense! Pelo avanço em direcção
a formas de integração económica da América Latina e do Caribe, a serviço do
desenvolvimento e da independência dos nossos países!
Os dirigentes sindicais presentes coincidiram também,
plenamente, em assinalar que, para realizar estes objectivos e ante a gravidade
da crise, que sofrem da mesma maneira, todos os trabalhadores e povos da
região, é indispensável que as distintas tendências e correntes do movimento
sindical, continuem trabalhando para encontrar uma ampla base de acordo, de carácter
prático, que nos permita uma contribuição cada vez mais efectiva, para a luta
pelos direitos dos nossos filiados e dos nossos países, sem menosprezar nossas
respectivas posições e como expressão do sentido de responsabilidade histórica
e do espírito latino-americanista e caribense que a todos nos impulsiona.
Os participantes da
Conferência destacaram também que a carreira armamentista e as políticas de
ingerência e agressão aguçam a crise económica, repercutem negativamente sobre
a dívida externa e diminuem os recursos necessários ao desenvolvimento.
Portanto, sublinharam que a luta pela diminuição das despesas militares está
indissoluvelmente ligada à luta pela paz e pelo desenvolvimento dos nossos
povos.
Chegaram ao acordo
unânime, de que esta reunião fez uma histórica contribuição para esse objectivo,
ao propiciar um diálogo exemplarmente democrático, respeitoso e num plano de
absoluta igualdade de todas as correntes do sindicalismo continental, em que
cada dirigente pôde expor os critérios do movimento sindical do seu país, da
sua organização, ou suas próprias opiniões, pessoais, segundo o caso, num
ambiente de plena liberdade.
A Central de
Trabalhadores de Cuba, como organização responsabilizada com a preparação da
reunião, sublinhou, desde o primeiro momento, que não se pretendia que esta
Conferência conduzisse a acordos de carácter resolutivo. Apesar disso, durante
a reunião se manifestou um amplo consenso entre os sindicalistas participantes,
no sentido de adoptar recomendações de acção e levá-las à consideração das
diferentes organizações a que pertencem os dirigentes sindicais reunidos em Havana.
As proposições
acordadas, que recolhem o sentir da imensa maioria dos participantes, são as
seguintes:
1.Propor ao movimento
sindical organizado que exija dos governos dos seus respectivos países a adopção
de medidas que conduzam à anulação, à moratória ou ao adiamento por um
determinado número de anos, do pagamento da dívida externa, e à solidariedade
com os outros países da América Latina e do Caribe que assumam esta mesma
posição.
2.Sugerir às organizações operárias que, de acordo com as
condições concretas de cada país, promovam a incorporação dos governos a uma
frente unida de países devedores da América Latina e do Caribe, que possa
servir como interlocutora ante os bancos privados, dos organismos financeiros
internacionais e dos governos dos países industrializados credores.
3.Recomendar que os dirigentes sindicais e camponeses
participantes do encontro proponham às organizações a que pertencem, continuar
com a análise do problema da dívida externa com a mais ampla participação
possível, a fim de tentar chegar a um critério comum sobre as suas causas, as
suas repercussões e a estratégia de luta que se deve seguir em cada país, ante
esta situação.
4.Levar às organizações sindicais e camponesas a sugestão de
que na luta pela solução do problema da dívida liguem-se estreitamente a outras
forças sociais e às suas correspondentes organizações, tais como os estudantes
e jovens, intelectuais, empresários, sectores religiosos, femininos, moradores,
organismos de defesa dos direitos humanos e instituições de profissionais.
5.Fazer chegar os resultados da Conferência aos chefes de
estado ou de governo dos países da América Latina e do Caribe, à Organização
das Nações Unidas e aos organismos económicos globais e regionais que fazem
parte do seu sistema, ao SELA, aos governos e às instituições financeiras
oficiais e privadas dos países credores, e a todas aquelas personalidades e
organizações que considerem oportuno.
6.Efetuar a mais ampla divulgação dos resultados da
Conferência entre os trabalhadores e povos respectivos, assim como a informação
disponível sobre a crise económica que suportam os países da nossa região, e
suas principais manifestações, em primeiro lugar a dívida externa.
7.Apoiar as próximas acções unitárias do movimento sindical
latino-americano e caribense, que poderiam incluir a criação dos mecanismos de
coordenação propostos com vigor, nesta Conferência, pela maioria dos
participantes, afim de impulsionar em direcção a objectivos superiores, a luta
dos trabalhadores organizados do continente, ante os problemas que coloca a
dívida externa.
8.Convocar todos os trabalhadores e todas as organizações
sindicais da América Latina e do Caribe para a realização no próximo 23 de Outubro
de um dia de acção continental contra a dívida externa e seus catastróficos
efeitos sobre a vida económica e social dos nossos países.
9.Dar apoio a todas as convocações regionais ou
sub-regionais sobre o tema da dívida externa como, por exemplo, a Conferência
Sindical convocada pelas centrais sindicais do Cone Sul, que se realizará em
fins deste ano; assim como a celebração da próxima Conferência Sindical dos
Trabalhadores da América Latina e do Caribe, que vai ser realizada na Bolívia,
convocada pela Centrai Operária Boliviana, afim de dar continuidade a este
esforço e patentear, ao mesmo tempo, a solidariedade com os trabalhadores desse
país irmão, país que é um dos que com maior rigor sofrem actualmente as consequências
destrutivas da crise económica e da dívida externa.
10.Os participantes da Conferência, inspirados na herança
histórica inscrita nos livros sagrados dos Maias: "Que todos se levantem,
que se chame a todos, que não haja nem um nem dois entre nós, que fique
atrás", reiteram, finalmente, o compromisso de lutar:
PRIMEIRO: PELA ANULAÇÃO, PELA MORATÓRIA, PELA SUSPENSÃO
IMEDIATA DOS PAGAMENTOS OU ADIAMENTO INDEFINIDO DA DÍVIDA EXTERNA, INCLUSIVE OS
JUROS!
SEGUNDO: PELO
ESTABELECIMENTO DA NOVA ORDEM ECONÔMICA INTERNACIONAL!
TERCEIRO: PELA
UNIDADE LATINO-AMERICANA E CARIBENSE! PELO AVANÇO EM DIREÇÃO A FORMAS DE
INTEGRAÇÃO ECONÔMICA DA AMÉRICA LATINA E DO CARIBE, AO SERVIÇO DO
DESENVOLVIMENTO E DA INDEPENDÊNCIA DOS NOSSOS PAÍSES!
E para deixar
constância da presente, subscrevem todos os participantes aos 18 dias do mês de
Julho de 1985.”