"Eu ainda sou do tempo (pronto, lá vem este…) em que não
havia internet.
- Jura?
- Juro.
- Incrível!
- Pois é.
- E as galinhas também tinham dentes?
- Vê lá se queres ficar como as galinhas… E como não havia
internet, acontecia-me muitas vezes, durante a leitura de um livro, cruzar-me
com a descrição de uma pintura que eu desconhecia. Ora, como fazer então para
encontrá-la? Se tivesse algum livro à mão sobre determinado autor ou corrente
ainda podia tentar, mas raramente conseguia, porque os escritores não se põem a
falar de um qualquer quadro que toda a gente conhece, não é assim? Qual é o
interesse em descrever os girassóis do Van Gogh ou a Gioconda? Nenhum, a não
ser que o autor se chame Dan Brown ou algo do género. Mas o mais irritante
acontecia quando o autor se lembrava de panegiricar (é escusado ir ao
dicionário, não existe) uma determinada pintura até ao infinito, pois já se
sabia que era quase impossível encontrá-la. Podia-se tentar em bibliotecas,
livrarias e nada. Sempre que o elogio e a descrição eram extensas, pimba, era
tiro e queda, mais valia procurar o santo graal que tínhamos mais hipóteses de
sucesso. É assim como aquelas conversas de café: eia, pá, aquele disco é muito
bom, conheces?
- Conheço, mas o
melhor é o X.
- Não conheço.
- Pois não, é um bootleg e só existem 3 cópias, mas é de
longe o melhor disco dessa banda.
- Ora foda-se!
- Ou, então, com os filmes: vi ontem um filme do caraças,
daquele realizador moldavo, conheces?
- Conheço, mas esse não é o melhor dele. O melhor vi eu, numa cave em mil novecentos e
troca o passo, na antiga União Soviética, numa sessão privada, e que nunca
mais foi repetida. Esse, sim, é de longe o melhor filme dele.
- Olha, sabes que mais? Vai cagar, man. O melhor é sempre
aquilo que ninguém, ou quase ninguém, pôs os olhos ou os ouvidos em cima.
Adiante (ou avante, é à escolha).
Agora, como se pode ver pelo post em baixo, sempre, ou
melhor, quase sempre, quer dizer, às vezes, quando me cruzo como uma passagem
dessas trato logo de pesquisar a tal pintura e colocar aqui no arquivo. Ainda
não concluí se é uma vantagem, porque tenho a sensação de que anteriormente
aquela descrição perdurava mais na minha memória. Em contrapartida, também me
esquecia mais frequentemente dessas passagens do livro. Entre perdas e ganhos
julgo que, para já, a internet leva vantagem.
- Conheces aquele filme de um realizador do Bornéu?
- Não.
- Eia, pá, que filmaço!
- Tens de ver! Não sei é se vais conseguir encontrá-lo."
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