quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

do Duarte Lima

Lima perdeu a liberdade. Está em preventiva no âmbito do caso BPN


*Duarte Lima: Como fazia a lavagem de dinheiro*

O ex-deputado foi investigado em 1994 num processo que é um verdadeiro

manual de branqueamento de dinheiro sujo

A prática de lavagem de dinheiro há muito que não é estranha a Duarte Lima.

Desde os anos 90 que o ex-líder parlamentar do PSD conhece, ao pormenor, as

técnicas daquilo a que os juristas chamam "dissimulação de capitais", mas

que é vulgarmente conhecido por branqueamento ou lavagem de dinheiro. Essa

é a arte de fazer com que o dinheiro obtido de forma ilegal regresse aos

circuitos financeiros e bancários com o estatuto de plena legalidade.

O processo às ordens do qual Duarte Lima está agora preso mostra algumas

dessas formas de lavagem, mas já na primeira investigação de que foi alvo,

nos anos noventa, é provado um apurado conhecimento dessa arte de esconder

o dinheiro sujo. Nesse primeiro processo em que Lima foi constituído

arguido, corria o ano de 1994 e o cavaquismo já agonizava, é descrito ao

pormenor aquilo que hoje se pode considerar um pioneiro manual de técnicas

de lavagem de dinheiro, como então alertava o inspector da PJ Carlos

Pascoal, que assina o relatório final da investigação.

O caso estava centrado em suspeitas de corrupção relacionadas com as

aquisições de apartamentos e de terrenos em Lisboa e Sintra (ver texto

nestas páginas). O mais interessante, porém, foi o que a investigação

mostrou em matéria de enriquecimento ilícito assente no tráfico de

influências e correspondente branqueamento de dinheiro, tudo crimes não

existentes no ordenamento jurídico português à época dos factos. Carlos

Pascoal, hoje com 57 anos e reformado da PJ, que investigou este processo

com o colega José Peneda e sob a direcção do magistrado do Ministério

Público Luís Bonina, enumerou as técnicas de lavagem uma a uma.

DEPÓSITOS EM DINHEIRO

O relatório de Pascoal é claro em matéria de fluxos financeiros: "Em razão

da análise bancária realizada pode concluir-se que foi detectada a

aplicação de várias técnicas de dissimulação de capitais, envolvendo um

conjunto de contas bancárias tituladas pelo arguido Duarte Lima, pela sua

ex-esposa, ou por familiares de um ou de outro".

Essas técnicas consistiam em fazer entrar o dinheiro nas contas sob a forma

de numerário, permitindo ocultar as proveniências e os motivos das

realizações de pagamentos. "Entre 1992 e 1994 foram creditadas dessa forma,

no conjunto das contas investigadas, verbas superiores a 750 mil contos"

(3,75 milhões de euros).

*CONTAS-FANTASMA*

As contas directa ou indirectamente controladas por Duarte Lima nunca

tinham saldos elevados. A técnica usada passava por fazer circular os

valores de conta para conta até à utilização final do dinheiro em despesas

ou aquisições. A maior parte dos créditos - numerário ou cheques - foi

escoada por contas tituladas pelo próprio Duarte Lima.

Os investigadores dão um exemplo: uma conta do Banco Fonsecas & Burnay

titulada por Fernando Henrique Nunes (ex-sogro de Lima) foi utilizada como

'placa de passagem' de valores que acabaram em contas de Duarte Lima. Só no

conjunto de contas em nome do ex-sogro e da ex-mulher, Alexina Bastos

Nunes, foram transferidos para contas de Lima 474 mil contos.

A partir de Novembro de 1993, o mesmo procedimento manteve-se mas com mais

titulares nas contas, designadamente duas sobrinhas do ex-deputado, Alda e

Sandra Lima de Deus e alguns dos irmãos.

*MOTA E ANF*

Duarte Lima, apesar de estar em exclusividade de funções no Parlamento e de

ter a inscrição suspensa na Ordem dos Advogados, mantinha uma intensa e

profícua relação com muitas empresas.

Na investigação são detectados dezenas de depósitos feitos pelos

administradores da então Mota e Companhia para as contas controladas por

Duarte Lima. A um ritmo mensal, Manuel António da Mota, fundador da empresa

já falecido, e o seu filho, António Mota, actual patrão da Mota-Engil,

pagaram perto de 150 mil contos a Duarte Lima entre 1991 e 1993.

Lima só em 1993 começou a emitir recibos verdes sobre uma pequena parte do

dinheiro recebido, justificando no processo apenas dois pagamentos a título

de prestações de serviços. Nessa fase em que começou a passar recibos

verdes também começou a receber dinheiro por antecipação a serviços a

prestar no futuro.

Nas declarações efectuadas aos investigadores, tanto António Mota como

Manuela Mota, também administradora da empresa, justificaram os pagamentos

de 1991, 1992 e parte de 1993 a título de aquisições de obras de arte

feitas a Lima e ao ex-sogro. Disseram também que Lima era consultor para a

área internacional, apontando concretamente Angola como um dos países em

que Lima ajudava a construtora. O ex-deputado, porém, tinha a inscrição

suspensa na Ordem dos Advogados e nunca declarou ao Fisco estes rendimentos.

Tanto em relação à Mota e Companhia, como à Associação Nacional de

Farmácias (ANF) - que pagou também milhares de contos a Lima e ainda as

obras feitas num dos seus apartamentos de Lisboa -, o ex-líder parlamentar

do PSD funcionou como um avençado no Parlamento.

De outras empresas, como a Altair Lda. e a Portline S.A., Duarte Lima

recebeu dinheiro a título de "despesas confidenciais" e "saídas de caixa".

*VÍCIO DAS ANTIGUIDADES*

Um dado essencial da ocultação de dinheiro detectada nesta investigação foi

o da aquisição de antiguidades e obras de arte. "Tudo aponta no sentido de

ser um coleccionador, visto que raramente procederá a vendas", escreve o

inspector Carlos Pascoal. São registadas nas perícias financeiras algumas

transacções. Só a três comerciantes de arte Lima comprou 250 mil contos em

antiguidades e peças num curto espaço de tempo.

Também aqui a lei era favorável a Duarte Lima: "As dificuldades de controlo

das actividades de transacções deste tipo de objectos e consequente

possível utilização como técnica de dissimulação de capitais são

reconhecidas no preâmbulo do decreto-lei 325-95 (branqueamento de

capitais), designadamente mencionando a não sujeição de tais actividades a

regras específicas e a inexistência de uma autoridade de supervisão",

alertam os investigadores. A criminalização do branqueamento e do tráfico

de influências só ocorrem depois de Outubro de 1995, quando o Governo já é

do PS e liderado por António Guterres. A bancada do PSD chefiada por Duarte

Lima várias vezes recusou criminalizar este tipo de crimes.

*PARAÍSOS FISCAIS*

A abertura de contas na Suíça e a utilização de paraísos fiscais para

branquear dinheiro são hoje expedientes vulgares. À época, porém, o seu

conhecimento em casos concretos era raro. Com um segredo bancário

inexpugnável, a Suíça era um paraíso para ocultar capitais. Duarte Lima

tinha contas no Swiss Bank Corporation, em Basileia, e daí transferiu

dinheiro para a Cosmatic Properties, Ltd., uma empresa offshore que

utilizou para várias aquisições.

As autoridades suíças, porém, nunca forneceram os elementos bancários

pretendidos pela investigação portuguesa porque Duarte Lima e a ex-mulher

se opuseram a que tal acontecesse, impedindo judicialmente que a carta

rogatória expedida pelas autoridades portuguesas fosse cumprida.

*TESTAS-DE-FERRO*

Os ganhos na bolsa foram a grande justificação de Duarte Lima para uma

parte do património. Declarou ter ganho 60 mil contos, mas foram detectados

investimentos feitos em seu nome mas formalmente pertencentes a outras

pessoas. Em dois dos casos detectados tratava-se de empresas de construção

civil: a Severo de Carvalho, a que Lima tinha grande ligação, e a Sociedade

de Construções Translande.

Foram descobertas contas co-tituladas por Lima e algumas dessas pessoas ou

empresas, mas tinham um movimento quase nulo. Pelo contrário, os

investimentos mais significativos na bolsa corriam exclusivamente por

contas do ex-deputado.

*UM ESTRANHO MILHÃO*

A diferença entre os valores declarados ao Fisco e o movimentado nas contas

é esmagadora e mostra um enriquecimento que Duarte Lima nunca conseguiu

explicar. Os rendimentos declarados em sede de IRS, que não incluíram os

movimentos de bolsa por não se encontrarem sujeitos a tributação,

totalizaram 182 mil contos, entre 1987 e 1995. Mas o dinheiro movimentado

nas contas tituladas por Lima apenas entre 1986 e 1994 é superior a um

milhão de contos.

Não há como registar as palavras dos próprios investigadores: "O total de

depósitos realizados nas contas tituladas pelo arguido Duarte Lima, entre

1986 e 1994, ultrapassou um milhão de contos, atingindo nos anos de 1992 a

1994 os 640 mil contos". Tudo claro, numa investigação que não teve escutas

telefónicas nem buscas a casa do arguido.

DE POBRE A BARÃO CAVAQUSITA (ASCENSÃO E QUEDA DE UM MENINO DE CORO

DESLUMBRADO COM O PODER)

É o primeiro registo oficial do deputado Domingos Duarte Lima na Assembleia

da República: III [1983-05-31 a 1985-11-03] - Círculo Eleitoral: Bragança -

Grupo Parlamentar: PSD. Em Maio de 1983, quando se estreia no seu lugar no

hemiciclo de S. Bento, Duarte Lima ainda não tinha completado os 28 anos.

Haveria de os celebrar seis meses mais tarde, em Novembro. Mas a sua vida

política não começa no Parlamento: dois anos antes, em 1981, inicia

actividade na capital como assessor político e de imprensa do ministro da

Administração Interna, Ângelo Correia.

Nunca mais haveria de parar no seu caminho para o poder e para a fortuna,

este rapaz nascido na Régua, em 1955, mas que viveu em Miranda do Douro até

1974. Foi primeiro deputado à Assembleia da República por Bragança de 1983

a 1995 - durante a III, IV, V e VI legislaturas. Depois promovido nas

estruturas do partido fundado por Francisco Sá Carneiro, entrou nas listas

por Lisboa, de 1999 a 2002, na VIII Legislatura. Voltaria novamente a

concorrer por Bragança, de 2005 a 2009, na X Legislatura.

A carreira meteórica de deputado coincidiu com uma ascensão política

fulminante. Foi o todo-poderoso vice--presidente da Comissão Política

Nacional do PSD entre 1989 e 1991, presidindo ao respectivo grupo

parlamentar, de 1991 a 1994, durante a segunda maioria absoluta de Cavaco

Silva. Com acesso a todos os gabinetes de ministros e secretários de

Estado, é um nome mágico para empresários e particulares sequiosos de

influência e proveitos. Vêm então os escândalos e cai em desgraça. Primeiro

um construtor civil de Mogadouro envia-lhe um fax para o Parlamento a pedir

um "jeito" num concurso de obras. Depois, o semanário 'O Independente'

conta a história da casa de Nafarros.

Sucede-lhe José Pacheco Pereira, que tinha sido seu 'vice', e Lima inicia

uma travessia do deserto. Perito em súbitas reviravoltas, porém, já em 1998

e com os socialistas no poder, vence Pedro Passos Coelho e Pacheco Pereira

nas eleições para a Comissão Política Distrital de Lisboa do PSD, que

dirigiu até 2000, deixando o lugar para aquela que seria a futura líder

social-democrata, Manuela Ferreira Leite. Lima terá gasto milhares de

contos em regularização de quotas e inscrição de novos militantes, grande

parte deles recrutados em bairros sociais.

*POBRE E PROVINCIANO*

Licenciado em Direito pela Universidade Católica, mas advogado mais de

título do que de exercício, Duarte Lima ocupou muitos outros cargos, sempre

numa vida faustosa, que foi justificando como podia, ou conseguia. Na lista

oficial que apresentou ao Parlamento consta a sua condição de "membro da

delegação portuguesa à Assembleia da NATO", mas também a ocupação de

"docente universitário". Refere-se ainda ter sido condecorado com a Ordem

do Mérito, atribuída pelo presidente da República de Itália.

Segundo reza a história da sua origem humilde, quinto filho numa família de

nove irmãos e órfão de pai aos 11 anos, ajudava a mãe, Maria de Jesus, a

vender peixe em Miranda do Douro. O pai, Adérito Lima, fora funcionário da

companhia eléctrica nacional até morrer de cancro.

Quando entrou para a Universidade Católica, com uma bolsa que o livrou de

pagar propinas, era olhado de lado e com indisfarçável estranheza pelos

colegas. Pobre e provinciano, não se vestia como os outros. A mais tarde

famosa jornalista Margarida Marante terá sido a única que lhe prestou

alguma atenção. Tornou-se sua amiga. Duarte Lima oferecia-lhe alheiras

feitas pela mãe. Margarida apresentava-lhe amigos, sobretudo na área do

PSD. Músico predestinado desde a infância, em 1980 era maestro do coro da

Católica. Pedro Santana Lopes e Pacheco Pereira assistiram a alguns dos

seus concertos de órgão.

Licenciou-se tarde, com 31 anos e 14 valores, como tarde tinha entrado na

universidade, depois de frequentar o Liceu D. Pedro V, onde terminou o

secundário com 19 valores. O estágio de advocacia foi feito no escritório

do socialista José Lamego, que seria mais tarde secretário de Estado dos

Negócios Estrangeiros de António Guterres e então era casado com Assunção

Esteves, presidente da Assembleia da República.

Em finais de 1998, depois de muitos dos escândalos conhecidos nos jornais,

foi atingido por uma leucemia em estado avançado, recebendo um transplante

de medula, amplamente noticiado. Já curado, funda a Associação Portuguesa

Contra a Leucemia, que iria criar o banco nacional de dadores de medula.

Muitos médicos e dirigentes da associação sublinham a importância da

exposição pública que Duarte Lima deu à doença e o papel que desempenhou.

*O CONVIDADO SÓCRATES*

Casou a 18 de Novembro de 1982 com Alexina Bastos Nunes, em Fátima, numa

cerimónia religiosa realizada pelo bispo de Bragança, D. António José

Rafael. Desta união iria resultar o único filho de Domingos Duarte Lima,

Pedro Miguel. Numa relação que viria a constar dos processos de

investigação da PJ, divorciou-se de Alexina em 1995, casando mais tarde, em

2000, com Paula Gonçalves. Desde que Duarte Lima se terá envolvido com a

brasileira Marlete Oliveira, a sua provisória secretária que entretanto já

regressou ao Brasil , o casal só partilhava o mesmo apartamento.

Com 56 anos, Duarte Lima - Domingos, para os amigos - é um homem rico e

poderoso. Na luxuosa casa da av. Visconde Valmor, no centro de Lisboa,

ofereceu jantares feitos pelo célebre chef Luís Suspiro. Constam das

memórias dos convidados as antiguidades dispostas nos salões e as

explicações excêntricas dos pratos que Suspiro vinha à sala apresentar.

José Sócrates foi um dos comensais mais famosos.

*O FILHO DE SEU PAI TORNOU-SE NUM TESTA-DE-FERRO*

Quando Domingos Duarte Lima anunciou que estava gravemente doente, com uma

leucemia, apareceram as primeiras imagens do filho, Pedro Lima, então com

apenas 13 anos, uma criança. Quando o ex-líder parlamentar do PSD foi

detido, o filho foi com ele, agora já com 26 anos, também arguido no mesmo

processo.

Pedro Lima é suspeito de branqueamento de capitais, burla qualificada e

fraude fiscal agravada, mas tudo indica estar de novo a dar a cara pelo

pai. Lima, o filho, foi libertado e diz-se que não tem dinheiro para pagar

a caução de 500 mil euros, ainda que seja sócio e administrador de cinco

empresas.

Há quem acrescente que Lima, o pai, fez dele testa-de-ferro dos seus

negócios. No dia do aniversário de Duarte Lima, Pedro lá estava como visita.

*"O SEU ENRIQUECIMENTO MOSTRA A DEGRADAÇÃO DO REGIME" (Paulo Morais,

professor universitário e dirigente da organização

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