“Não é de hoje que vários pensadores sérios estudam o
mecanismo da manipulação da informação do mercado. Um deles, o linguista Noam
Chomsky, relacionou dez estratégias sobre o tema.
Na verdade, Chomsky elaborou um verdadeiro tratado que deve
ser analisado por todos (jornalistas ou não) os interessados no tema tão em
voga nos dias de hoje em função da importância adquirida pelos meios de
comunicação na batalha diária de “fazer cabeças”.
Vale a pena
transcrever o quinto tópico elaborado e que remete tranquilamente a um
telejornal brasileiro de grande audiência e em especial ao apresentador.
O tópico assinala que
o apresentador deve “dirigir-se ao público como criaturas de pouca idade ou
deficientes mentais. A maioria da publicidade dirigida ao grande público
utiliza discursos, argumentos, personagens e entonação particularmente
infantil, muitas vezes próxima da debilidade, como se o espectador fosse uma
pessoa de pouca idade ou um deficiente mental. Quanto mais se tenta enganar o
espectador, mais se tende a adoptar um tom infantil”.
E prossegue Chomsky
indagando o motivo da estratégia. Ele mesmo responde: “se alguém se dirige a
uma pessoa como se ela tivesse 12 anos ou menos, então, por razão da sugestão,
ela tenderá, com certa probabilidade, a uma resposta ou reacção também
desprovida de um sentido crítico como a de uma pessoa de 12 anos ou menos”.
Alguém pode estar
imaginando que Chomsky se inspirou em William Bonner, o apresentador do Jornal
Nacional que utiliza exactamente a mesma estratégia assinalada pelo linguista.
Mas não necessariamente,
até porque em outros países existem figuras como Bonner, que são colocados na
função para fazerem exactamente o que fazem, ajudando a aprofundar o esquema do
pensamento único e da infantilização do telespectador.
De qualquer forma, o que diz Chomsky remete a artigo escrito
há tempos pelo professor Laurindo Leal Filho depois de ter participado de uma
visita, juntamente com outros professores universitários, a uma reunião de
pauta do Jornal Nacional comandada por Bonner.
Laurindo informava então
que na ocasião Bonner dissera que em pesquisa realizada pela TV Globo foi
identificado o perfil do telespectador médio do Jornal Nacional. Constatou-se,
segundo Bonner, que “ele tem muita dificuldade para entender notícias complexas
e pouca familiaridade com siglas como o BNDES, por exemplo. Na redacção o
personagem foi apelidado de Homer Simpson, um simpático mas obtuso personagem
dos Simpsons, uma das séries estadunidenses de maior sucesso na televisão do
mundo”
E prossegue o artigo
observando que Homer Simpson “é pai de família, adora ficar no sofá, comendo
rosquinhas e bebendo cerveja, é preguiçoso e tem o raciocínio lento”
Para perplexidade dos
professores que visitavam a redacção de jornalismo da TV Globo, Bonner passou
então a se referir da seguinte forma ao vetar esta ou aquela reportagem: “essa
o Hommer não vai entender” e assim sucessivamente.
A tal reunião de pauta do Jornal Nacional aconteceu no final
do ano de 2005. O comentário de Noam Chomsky é talvez mais recente. É possível
que o linguista estadunidense não conheça o informe elaborado por Laurindo Leal
Filho, até porque depois de sete anos caiu no esquecimento. Mas como se trata
de um artigo histórico, que marcou época, é pertinente relembrá-lo.
De lá para cá o
Jornal Nacional praticamente não mudou de estratégia e nem de editor-chefe.
Continua manipulando a informação, como aconteceu recentemente em matéria sobre
o desmatamento na Amazónia, elaborada exactamente para indispor a opinião
pública contra os assentados.
Dizia a matéria que
os assentamentos são responsáveis pelo desmatamento na região Amazónica, mas
simplesmente omitiu o facto segundo o qual o desmatamento não é produzido pelos
assentados e sim por grupos de madeireiros com actuação ilegal.
Bonner certamente
orientou a matéria com o visível objectivo de levar o telespectador a se
colocar contra a reforma agrária, já que, na concepção manipulada da TV Globo,
os assentados violentam o meio ambiente.
Em suma: assim caminha o jornalismo da TV Globo. Quando questionado,
a resposta dos editores é acusar os críticos de defenderem a censura. Um
argumento que não se sustenta.
A propósito, o jornal
O Globo está de marcação cerrada contra o governo de Rafael Correa, do Equador,
acusando-o de restringir a liberdade de imprensa. A matéria mais recente, em
tom crítico, citava como exemplo a não renovação da concessão de algumas
emissoras de rádio que não teriam cumprido determinações do contrato.
As Organizações Globo
e demais mídias filiadas à Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP)
raciocinam como se os canais de rádio e de televisão fossem propriedade
particular e não concessões públicas com normas e procedimentos a serem
respeitados.
Em outros termos:
para o patronato associado à SIP quem manda são os proprietários, que podem
fazer o que quiserem e bem entenderem sem obrigações contratuais.
No momento em que o
Estado fiscaliza e cobra procedimentos, os proprietários de veículos electrónicos
de comunicação saem em campo para denunciar o que consideram restrição à
liberdade de imprensa.
Os governos do
Equador, Venezuela, Bolívia e Argentina estão no índex do baronato mediático exactamente
porque cobram obrigações contratuais. Quando emissoras irregulares não têm as
concessões renovadas, a chiadeira do patronato é ampla, geral e irrestrita.
Da mesma forma que O
Globo no Rio de Janeiro, Clarin na Argentina, El Mercurio no Chile e outros
editam matérias com o mesmo teor, como se fossem extraídas de uma mesma matriz mediática.
MÁRIO AUGUSTO JACOBSKIND
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