sábado, 22 de setembro de 2012

darwinismo social

O darwinismo social anda de novo por aí. Nos discursos oficiais, no programa dos governos, nas políticas europeias, na cabeça de intelectuais e comentadores. Resume-se numa ideia simples. Só os mais fortes sobreviverão aos desafios do tempo presente. Os fracos serão varridos.

O darwinismo social surgiu em finais do século 19 aplicando algumas ideias de Darwin à sociedade humana. Darwin não teve culpa, nem voz na matéria. Mas a sua teoria da seleção natural que favorece os mais aptos e mais fortes, eliminando os inadaptados e fracos, serviu bastante bem aos defensores daquilo a que agora chamamos neoliberalismo e, no extremo, conduziu, entre outras coisas, ao fascismo, às raças superiores e ao extermínio dos judeus, ciganos e outros grupos considerados decadentes pelos nazis.


Fora de moda por algum tempo, o darwinismo social tem vindo a ganhar terreno nos últimos anos pelo efeito conjugado do forte stress ambiental provocado pela emergência das novas tecnologias e pela sobrevalorização do chamado mercado livre (que, diga-se de passagem, de livre não tem nada). A revolução tecnológica em curso tem levado a fenómenos de inadaptação em massa, enquanto a desregulação dos mercados tem provocado sucessivas crises financeiras e políticas e cavado um fosso cada vez maior entre ricos e pobres. Neste contexto, vai emergindo um conjunto de ideias e práticas que sobrevalorizam a competição, a lei do mais forte, os nacionalismos, a arrogância, as segregações de toda a a espécie.

É assim que hoje usamos palavras que nos parecem ajustadas mas que, vistas de perto, derivam da visão do darwinismo social. Competitividade, por exemplo, uma das mais vulgarizadas, reproduz o mecanismo da seleção natural, no qual só os que são muito competitivos conseguem vencer. Os outros, sejam eles pessoas ou países e a quem falta o "killer instinct", condenam-se ao ostracismo e à extinção.

Também as políticas de austeridade em curso têm tudo a ver com o darwinismo social. Trata-se de uma brusca alteração no meio ambiente, provocada expressamente pelos governos, como forma de eliminar os mais fracos e favorecer os mais fortes. A este propósito, basta atender às palavras de Passos Coelho com os seus conselhos para os jovens emigrarem ou quando afirma que o desemprego é uma oportunidade, ou seja, adaptem-se ou perecerão. Ou melhor ainda, ouvir os atuais governantes alemães. Neste caso, não estamos longe de uma espécie de eugenismo social e cultural, sendo que nós, portugueses, gregos, espanhóis e outras minorias preguiçosas e decadentes temos de mudar ou seremos extintos. Como diz um amigo, no panorama atual ou nos tornamos alemães ou morremos.

O darwinismo social conseguiu generalizar a ideia de que só se cria qualquer coisa de novo e inovador, ou se tem sucesso na vida, por meio de um comportamento ferozmente competitivo. Esquece outras componentes fundamentais da criatividade, desde logo a cooperação, a combinação ou a sinergia, sobrevalorizando a disputa brutal e selvagem, aliás, a mesma que impera hoje nos mercados financeiros com o resultado que se conhece.

Mas esquece outra coisa. A humanidade inventou algo que não existe nos genes nem nos processos evolutivos naturais. Chama-se cultura. E esta tem uma lógica divergente da mera competição entre fracos e fortes, predadores e presas. A cultura leva os humanos a fazerem coisas que vão contra a genética. Por exemplo, a ética, o altruísmo, a solidariedade. A cultura cria um quadro de comportamento moral e civilizacional que não tem paralelo na seleção natural. E gera também sentimentos de injustiça e de revolta como forma de resistir à brutalidade da competição.

Atraente para alguns, porque estimula comportamentos agressivos e apresenta como tolerável o intolerável, o darwinismo social representa, na verdade, um retrocesso na própria evolução civilizacional da espécie humana. Afinal vivemos para a competição feroz ou para a felicidade? Existimos para exterminar os outros ou para melhorar a condição de todos?
Leonel Moura

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